Palpitar

A natureza humana. Paixões, Desejos e Mortandades. Escrevo sobre Gula, Avareza, Inveja, Vaidade, Preguiça, Luxúria e Ira.

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Musa

10.16.2020 by Palpitar // Deixe um comentário

Conheci uma musa há um tempo.

Tempo indefinido.

Podia ter vindo embrulhada num nevoeiro, mas veio aos repelões dentro do teu riso desafiante.

Os risos podem destruir diques sisudos ou muros de betão.

Mas os risos frescos de maroteiras juvenis são como os perfumes florais:

Entram em ti antes de os podermos pensar.

Os risos insinuados de graça e doçura terraplanam qualquer razão de ser.

Sobra o gostar. Como uma onda torrencial onde cheira maresia e pomares de maçãs.

O cheiro a maçã. O olhar de pêssego. E o rir que já sabias tomar de assalto almas de desassossegadas mas curiosas.

Não fiz nada. – dizes tu.

E finjo acreditar que qualquer gesto, qualquer insinuação, qualquer olhar, é pura imaginação. Pura coincidência.

E tu sorris com marotice.

E foges pelo prado espalhado a aura do teu perfume.

Será que és de maçãs verdes ou de pêssego aveludado?

A minha língua sem eu querer já te saboreia em todos os recantos do teu ser.

Os sabores são urgentes e cada pedaço de ti que viaja no meu desejo é límpido e suave.

Serás de pêssego? Serás de maçã?

Serás suave. Serás quente. Acolhedora e torrencial.

E nesse germinal assalto por ti tomarei desavergonhado os lábios que riem.

Sorrirás então com os olhos.

Os olhos que só as Musas tem.

E saberás ao pomar do paraíso do nosso desejo,

Inconfessável.

Porém guloso.

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Venda-me os olhos

10.11.2020 by Palpitar // Deixe um comentário

Sigo hoje pela estrada de cristal.

Dois caminhos se encontram na encruzilhada escrita por Sophia de Mello Breyner nos seus Contos Exemplares.

A minha mente resvala para um filme chamado Contos Imorais.

Ambos me educaram. Na beleza e erotismo.

As pulsões de vida estão todas aqui. A da beleza infinita e a do desejo profundo.

Quando amamos o belo ou desejamos profundamente ficamos transparentes como a água fresca ou o vidro polido.

Em nós os outros veem peixes às cores que rodopiam no lago da nossa alma. Ou campos de girassóis no prado fértil.

A única coisa que me falta compreender porque insistem as borboletas a beijar-se sôfregas nas nossas barrigas.

Somos transparentes. Límpidos. Inocentes no desejo. Ou culpados no querer.

Mas o pecado da culpa é tão subversivamente subtil quanto saboroso.

E a culpa desenterrada pelo desejo abre um poderoso caminho do nosso subconsciente para a arqueologia de nós próprios.

E a nossa transparência vista de fora é mais turva para nós.

Porque insistimos em esconder o mais íntimo inconfessável dos nossos olhos?

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Já te disse hoje…?

10.10.2020 by Palpitar // Deixe um comentário

Adormeço a pensar o quanto te desejo.
Sempre te desejei e acho que desde sempre o soubeste.
Debruço-me por dentro dos meus sentidos para compreender o óbvio. Procuro distrair-me desse desejo de partilhar contigo o ar sôfrego dum beijo.
De um abraço que só de pensar nele me enche de uma mão-cheia de cócegas feitas de afectos.
Nunca soube que caminhos se percorrem para encontrar alguém como tu.
Confesso até que me assustas.
Não estou claramente à tua altura. Os teus labirintos, a força da tua energia, da libido e da capacidade de virar do avesso corações endurecidos pelo tempo é um desassossego.
Tenho medo de ti. Medo do silêncio em que desejas. Medo do olhar que despe.
Estou nu. Perante ti. Tal como o rapaz que espera a vez para o banho semanal de antigamente.
Mostras-me pelo magnetismo quão vulnerável sou.
De nada me vale o pressentir. De nada me vale saber que as minhas palavras são apenas uma legenda do que tu vives. De nada me vale olhar-te de frente. Porque nunca se olha o sol de frente.
Ouço-te em silêncio.
Prometo a mim mesmo que não entrarei em ti. Que não te percorrerei sem mapa. Que apenas te contemplarei. Apenas olharei para ti.
E cuidarei em não despertar os pequenos gnomos que desenham nas árvores do bosque os caminhos perfeitos.
Por esses caminhos correm os javalis incumbidos da missão de apagar chamas ardentes.
Sento-me no musgo entre eles enquanto sorvo o ar fresco do teu perfume.

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A paz no bosque mágico

10.08.2020 by Palpitar // Deixe um comentário

Eu precisava de paz

E não tenho paz.

Eu precisava de serenidade

E sobra a ansiedade.

Eu precisava das pernas altas ao descanso

E sobra-me o cansaço dos metros corridos.

Hoje esvaio-me de sangue de uma energia que rompe pelo ralo infinito.

Hoje contento-me com a côdea dura das almas que penam insistindo em correr já mortas.

Hoje sobra a água salobra onde boiam os corpos.

Hoje sei que o rio nos escorre por entre os dedos como o tempo pelos corpos.

Inexorável.

Hoje sei que antes do fim me sentarei contigo de mão dada partilhando o ar puro e a caminhada pelo bosque mágico.

E com isso tudo fica em paz. Tudo sossega.

Já pode parar.

E parou no beijo que sonho todos os dias.

Suave. Sereno. Sussurrado.

E no bosque mágico o relógio descompassado dá horas certas.

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O silêncio dos inocentes

10.07.2020 by Palpitar // Deixe um comentário

Ouço-te no teu silêncio. Perscruto as tuas ansiedades. E comungo das tuas pequenas e grandes dores.

O silêncio oferece a possibilidade de ver dentro das nossas sombras o que mais brilha.

Quanto ouço o teu eco purificado na tua generosidade infinda quero dar-te um regado para te acolher.

É nesse silêncio que comungamos, carregado de palavras nunca ditas, que te direi

Não faz mal
Encosta a tua cabeça no meu peito e se quiseres respira fundo.
Não faz mal
E liberta essa pedra, qual Sísifo, montanha acima, que carregas por sentido do dever
Mas nada deves
E só sabendo isso, e aspirando a uma vida plena e útil, sentirás
A tua leveza
Da tua alma e mente. Serás assim
Livre
Para te cumprires
Mulher inteira
E num peito em que chores seja de esvaziar o que te pesa mas não é teu.
Ou chores de alegria
Celebrando–te plena.

Na insustentável leveza do ser, que Kundera escreveu, como se te descrevesse.

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O que farei quando tudo arde

10.06.2020 by Palpitar // Deixe um comentário

Hoje rasgava-te de beijos até morreres de prazer.

Hoje rasgava-te as roupas para me encostar ao teu corpo incendiado pela luxúria.

Hoje ardia-te em torrencial tesão por ti a dentro.

Hoje seríamos brasa e carvão duma fornalha de paixão.

Quem nem os beijos molhados apagariam.

Quem nem os fluidos salgados ou os gemidos abafados sossegariam.

Hoje é o dia.

É o dia em que te tomo por minha porque já sou teu.

Hoje a impossibilidade torna-se turbilhão.

Ferocidade faminta da tua boca.

Dos teus seios a exigir línguas escorregadias enquanto se revoltam ao meu gostar.

Hoje o teu sal é o meu sabor.

Que se mistura com o teu.

Hoje fundimos-nos numa centelha.

Faísca do amor original.

E abraçamos-nos um contra o outro,

virginais,

pecaminosos,

cumpridos.

Os teus olhos nos meus.

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